Levar a Ciência a todos

Alguns cientistas foram ótimos comunicadores das suas próprias ideias. Einstein contava que teve as primeiras ideias que o levaram a elaborar a teoria da relatividade aos dezasseis anos em Milão, quando imaginou que viajava a cavalo desde a extremidade anterior de um raio luminoso, tendo à sua frente um espelho. Reparou que o viajante jamais se poderia ver ao espelho e deduziu que nenhum observador consegue ultrapassar a velocidade da luz, condição necessária para ser visto ao espelho. Recorrendo a esta experiência mental, concluiu que a luz teria sido imobilizada pelo seu movimento, pelo que ele podia observá-la (1).

Erwin Schrodinger, Prémio Nobel da Física em 1933, ao olhar para além do seu campo, publicou um dos textos científicos de divulgação mais influentes e inspiradores do século XX (2). Tendo por fundamento um paradoxo, apresentou publicamente as suas ideias em 1943, aproveitando as conferências abertas ao público, as Statutory Public Lectures do Trinity College em Dublin, onde tentou responder à pergunta: “O que é a vida?”. Focou-se no enigma da estabilidade biológica: como é que os seres vivos mantinham uma ordem e uma uniformidade tão impressionantes, geração após geração num universo que, de acordo com a segunda lei da termodinâmica, está constantemente a avançar para um estado de desordem e de caos. A série de três palestras foi publicada num livro em 1944, propondo como modelo para a estrutura molecular do gene um “sólido aperiódico”.

James Watson, Prémio Nobel da Medicina em 1962 (que partilhou com Francis Crick e Maurice Wlkins), estudante de zoologia da Universidade de Chicago, pensava ser um naturalista. Todavia, a leitura do livro “O que é a vida?” mudou-lhe as ideias, passando a interessar-se pela questão dos genes (3). Também Francis Crick, físico de formação, leu o fabuloso livro e canalizou o seu interesse para a biologia molecular. Quando Watson chegou a Cambridge em outubro de 1951, para um pós-doutoramento, havia uma aceitação generalizada de que os genes eram um tipo especial de moléculas proteicas e Crick acreditava que o conhecimento da sua estrutura tridimensional desvendaria o princípio transmissor da hereditariedade. Porém, o norte-americano fez

Crick mudar de ideias, ao levar para Cambridge a ideia de ser a molécula do DNA a portadora da informação genética. A descoberta da estrutura do DNA por Crick e Watson, em 1953, preparou o caminho para a engenharia genética e a terapia de genes. Por exemplo, em 2020 o Prémio Nobel da Química foi atribuído às cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento de um método de edição do genoma que permite reescrever o código da vida. Criaram a ferramenta química CRISPR-Cas9, que permite fazer cortes em partes selecionadas das sequências de DNA (5).

Um divulgador pode contribuir para novas visões. É o caso de Richard Dawkins, um zoólogo desconhecido até à data da publicação de “O Gene Egoísta” (4), em 1976, que teve um toque de génio ao propor uma alternativa à maneira de encarar a evolução, transformando o seu livro na bíblia do determinismo genético. Os organismos são apenas mecanismos de sobrevivência construídos pelos genes a fim de assegurarem a sua replicação. Recorrendo a Samuel Butler, podemos dizer que a galinha é o modo pelo qual um ovo produz outro ovo. “O Gene Egoísta” foi considerado o melhor livro de ciência de sempre numa votação popular realizada pela Royal Society em 2017 e, ainda hoje, constitui um relato extraordinário da evolução, vista sob o prisma do gene. Todavia, hoje sabemos que, em 1953, Francis e Crick só descobriram metade do segredo da vida, ao proporem o modelo da dupla hélice do ácido desoxirribonucleico (DNA), que se transformou num ícone. A outra metade não se encontra escrita numa sequência de pares de bases de DNA. Está à nossa volta. É cada elemento que temos da experiência do mundo.

A missão última do divulgador, é conseguir levar às pessoas a ciência de uma forma simples e objetiva, influenciando positivamente a vida delas. Divulgar ciência é um imperativo social e os mais variados tipos de atividades de divulgação, abrindo as portas da FCUP a toda a comunidade, serão um valioso contributo para estimular a curiosidade e a paixão pelas maravilhas da ciência.

Bibliografia Consultada

(1) Brian Clegg (editor, 2020). Einstein em 30 segundos. Lisboa: Jacarandá

(2) Erwin Schrodinger (1944). Vida, Espírito e Matéria. Lisboa: Publicações Europa-América. (Edição fac-símile, 2020: A Bela e o Monstro/Raposódia Final)

(3) James Watson (1987). A Dupla Hélice. Lisboa: Gradiva

(4) Richard Dawkins (5ª edição, 2018). O Gene Egoísta. Lisboa: Gradiva

(5) Sílvia Curado (2017). Engenharia genética. O Futuro Já Começou. Lisboa: Glaciar

Luís Cesariny Calafate (Biólogo, Professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto)

https://mkt.up.pt/fcup/email/preview/108 https://sigarra.up.pt/fcup/pt/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=76673

Professor Luís Filipe Cesariny Calafate integra o corpo docente do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. O seu percurso académico tem sido orientado no sentido da compreensão do comportamento animal e humano segundo uma perspetiva evolucionista, recorrendo à Biologia do Comportamento.

Em particular, interessa-se pelos modos de transmissão social de informação nos animais e no Homem, sendo que recentemente tem complementado o estudo do problema do comportamento com as Neurociências, particularmente ao nível da memória e da aprendizagem.

Complementarmente, interessa-me pela exploração das dimensões da sustentabilidade urbana. O estudo dos ecossistemas urbanos contribui para a compreensão do papel dos seres humanos como ‘ecosystem engineers’.

Também, numa perspetiva de divulgação das ideias fundamentais da Ciência, tem procurado abordar “Os Problemas da Biologia” em grupos de reflexão

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