Vacinar primeiro os ‘super disseminadores’ da covid-19 limita muito mais a propagação do
coronavírus e pode diminuir o número global de mortes do que a estratégia que está a ser seguida
pelos países da União Europeia, Estados Unidos e um pouco por todo o mundo, a de vacinar
primeiros os idosos e sucessivamente os grupos etários de idades inferiores. A conclusão é de um
estudo de uma equipa de investigadores da Universidade de Aveiro (UA).
“Concluímos que dar maior atenção e mesmo vacinar primeiro os ‘super disseminadores’ torna o
protocolo de vacinação mais eficiente e permite salvar muitas mais vidas”, garante José Fernando
Mendes, investigador do Instituto de Nanoestruturas, Nanomodelação e Nanofabricação (I3N) e do
Departamento de Física da UA.
Através de um modelo epidemiológico, José Fernando Mendes e seus colaboradores brasileiros
mostram que se o país vacinar 20 por cento da população da faixa etária situada entre os 30 e os 39
anos – uma faixa que representa 2,5 por cento da população nacional e onde os cientistas colocam o
grosso dos ‘super disseminadores’ que podem ter um poder de disseminação do coronavírus até 10
vezes mais do que a média da população dessa faixa etária (no estudo usaram-se valores entre 3 e 10
e dois valores de eficácia da vacina de 70 a 95 por cento) – e, reportando, por exemplo, ao contexto
pandémico de janeiro, o país teria menos 2 ou 3 mil mortes dependendo do cenário usado. O estudo
prevê também que no melhor dos cenários no final do ano atingir-se-á um número total de mortes a
rondar os 21000.
Neste trabalho, explica, “mostramos com base num modelo epidemiológico qual a importância dos
nodos da rede social com elevado número de contatos – designamos por ‘super disseminadores’ -, ou
seja, muito superior ao da média da população, sobre a eficácia da estratégia de vacinação”.
Todos os profissionais de saúde, professores de todos os níveis de ensino, trabalhadores de
transportes públicos, trabalhadores de supermercados e outros que lidam diretamente com um grande
número de pessoas são, aponta José Fernando Mendes, exemplos de possíveis ‘super
disseminadores’.
No trabalho a equipa de cientistas mostra que a escolha criteriosa de quem vai compor o primeiro
grupo a ser vacinado “pode impactar significativamente tanto no número total de óbitos quanto na
procura por cuidados de saúde”.
“Argumentamos com base nesta abordagem, que não coincide com as propostas atuais, a nossa
proposta deve ser considerada por todas as autoridades participantes no desenho do protocolo de
vacinação covid-19, com o intuito de minimizar o número de mortes”, apela José Fernando Mendes.
Dos resultados alcançados, e dependendo da efetividade da vacina e do número de contatos dos
‘super disseminadores’, o trabalho conclui que optando por uma estratégia de vacinação que passe
primeiro por estes potenciais transmissores do coronavírus, o número de mortes a menos poderá
alcançar valores na ordem dos milhares.
“O principal desafio no presente contexto da epidemia SARS-CoV-2 é claramente vacinar o maior
número de pessoas, no menor espaço de tempo, para uma redução máxima do número de mortes, e
limitar os impactos econômicos inevitáveis”, aponta o investigador José Fernando Mendes. No
entanto, aponta o especialista em Sistemas Complexos e Redes Complexas do Departamento de
Física da UA, “a vacinação em grande escala com o objetivo de alcançar a imunidade de grupo
apresenta muitas dificuldades logísticas e sociais”.
“A heterogeneidade populacional ao nível dos contatos pode ter efeitos relevantes na disseminação
da pandemia e deve ser considerada com cuidado ao se planear uma estratégia de vacinação.
Trabalhos anteriores sobre redes organizadas com uma tipologia de conectividades sem escala
mostram que a escolha de quem deve ser vacinado primeiro pode ter um grande impacto na evolução
de uma epidemia”, aponta.