A coletividade Cem Palcos vai dar continuidade à “Horta de Deméter”, um projeto de inclusão através da cultura e da natureza, usando o seu próprio orçamento, por não ter qualquer financiamento, anunciou hoje o responsável, o encenador Graeme Pulleyn.
“A nossa vontade é continuar o projeto, é continuar esta parceria com a Quinta da Cruz, mas a questão é sempre a mesma e, neste momento, não há financiamento para o fazermos. Por isso, vamos assumir durante um ano”, garantiu Graeme Pulleyn, diretor artístico da Cem Palcos.
Graeme Pulleyn falava em conferência de imprensa de apresentação de “Grande Colheita”, o mais recente espetáculo do projeto que teve início em 2021, a “Horta de Deméter”, e que chega agora ao fim, com a estreia marcada para 09 de dezembro.
“Não iremos conseguir fazer as três sessões por semana como fazíamos, mas vamos tentar manter, pelo menos, uma sessão por semana, pago com o orçamento da Cem Palcos, enquanto tentamos encontrar outros apoios para dar continuidade”, assumiu.
Graeme Pulleyn esclareceu que “não será o mesmo projeto, mas é uma continuidade do trabalho que tem sido realizado com os parceiros”, entre os quais escolas e instituições que trabalham com jovens institucionalizados e “com diagnóstico”.
Ou seja, “envolveu jovens com diagnósticos diversos como autismo ou trissomia 21, e outros e jovens institucionalizados, que, muitas vezes, são menos sociáveis, mais desconfiados, mas o projeto tem na sua génesis aliar o artístico, a horticultura e um trabalho social, numa espécie de triângulo de interdependências”.
“Acredito profundamente que a criação artística, que neste caso se alia ao trabalho na horta, fazem inclusão, ou seja, são duas atividades em que os jovens convivem e trabalham lado a lado e a inclusão está feita, porque a inclusão está em nós e na nossa atitude para com o outro”, defendeu.
O facto de “estar feita”, disse, “não quer dizer que seja fácil de fazer, mas a inclusão é feita precisamente na convivência e no esforço de trabalhar lado a lado e nem sempre foi fácil juntar jovens, cativá-los e entusiasmá-los para ambos os lados deste trabalho”.
“É difícil quantificar e explicar, mas nós sentimos a mudança nas pessoas. Eu vejo as alterações de uma jovem da Escola Grão Vasco, do oitavo ano, no contacto que tem com um jovem com Trissomia 21 e o quão ela cresceu, assim como o inverso”, disse.
Também os rapazes do Lar de Santo António, “que nos primeiros encontros eram muito envergonhados, acanhados, desconfiados até, e ontem [terça-feira], no ensaio, eles explodiam com tudo”.
“Vou confessar uma coisa. Cheguei ontem [terça-feira] com um texto novo e por estar em cima do dia, disse que íamos gravar e colocar em ‘voz off’ e um deles disse logo: ‘O quê? Isto? Não, isto a gente decora’. E isto é arrepiante”, confessou.
Testemunhos partilhados por representantes dos parceiros do projeto, asseguram que “há uma mudança indescritível”, como adiantou a diretora executiva da Associação de Viseu de Portadores de Trissomia 21 (AVISPT21), Eulália de Albuquerque.
“Estes projetos deviam ser obrigatórios”, desafiou esta responsável, que disse que “os jovens perguntam a todo o instante o que é que se vai passar depois de dezembro”.
Eulália de Albuquerque assumiu que “é surpreendente o que eles cresceram interiormente, sejam os que têm problemas de deficiência ou os seus pares” e a “evolução vê-se no dia-a-dia, nas atividades ou numa ida ao café”.
“Com o contacto com a arte, a natureza e os pares desenvolveram a amabilidade, a gentileza e a expressão, porque há jovens que não se conseguiam expressar através da fala e agora conseguem fazê-lo”, contou.
Uma professora da Escola Superior Agrária de Viseu, parceira do projeto, que envolveu professores e alunos, defendeu que “mais do que cultivar produtos agrícolas, foram cultivadas outras sementes que tornarão os alunos melhores profissionais”.
Daniela Costa, que assumiu não ter estado em todas as sessões, contou o exemplo de uma “jovem que no início não tolerava o barulho das palmas e agora nos últimos ensaios era ela própria a dizer que podia haver palmas”.
Aprendizagens “muito significativas” que a coordenadora da área social da Cem Palcos, Catarina Martins, destacou entre “todos os jovens que participaram no projeto que tinha um fio condutor, o de trabalharem todos juntos na horta”.
“Eles trabalharam na horta e no seu crescimento, quer dos produtos hortícolas quer do seu crescimento individual. Nesta horta cultiva-se a diferença e todos são bem-vindos”, reconheceu Catarina Martins.
O espetáculo “Grande Colheita”, que encerra o projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, será apresentado novamente em 28 de janeiro, nos jardins da fundação, em Lisboa, num encontro com outros projetos do programa “Partis & Arte for Change”.
O projeto agora terminado foi ainda financiado pela Fundação La Caixa, República Portuguesa – Cultura, Direção Geral das Artes (DGArtes) e pelo Eixo Cultura da Câmara Municipal de Viseu.