O ensaísta Vítor Aguiar e Silva, distinguido com o Prémio Camões, soma mais de cinco décadas em defesa da literatura, “voz insubstituível dos sonhos e misérias” da humanidade, e uma posição assumida contra o Acordo Ortogáfico de 1990.
No seu mais recente livro, “Colheita de Inverno”, publicado no passado mês de julho, reúne ensaios que procuram “conhecer e explicar as formas e os sentidos que, desde há quase trinta séculos, constituem a literatura (…), memória do Ocidente e voz insubstituível da liberdade, dos sonhos e das misérias do homem”, atravessando uma multidão de autores, das mais diferentes origens, dos clássicos aos contemporâneos, portugueses e estrangeiros, entre os quais Camões, sempre presente no seu percurso.
Em novembro de 2014, foi um dos subscritores de uma ação judicial popular contra a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, no ensino, apresentada no Supremo Tribunal Administrativo, assim como de um requerimento para o Ministério Público intentar uma ação judicial , no mesmo sentido.
Foi também um dos mais de cem mil subscritores da petição “Em Defesa da Língua Portuguesa contra o Novo Acordo Ortográfico”, que chegou a ser discutida no parlamento, em 2009.
Vítor Manuel Aguiar e Silva, de 81 anos, dedicou-se sempre à investigação da Literatura Portuguesa dos períodos maneirista (século XVI), barroco (século XVIII) e modernista (primeira metade do século XX), e ao estudo da Teoria da Literatura.
O investigador publicou, entre outros livros, “Camões: Labirintos e Fascínios” (1994), que lhe valeu o Prémio de Ensaio da Associação Portuguesa de Críticos Literários e o da Associação Portuguesa de Escritores.
Entre as suas obras contam-se “A Lira Dourada e a Tuba Canora”, editada em 2008, “Jorge de Sena e Camões. Trinta Anos de Amor e Melancolia”, em 2009, e “Teoria da Literatura”, obra de referência do autor, publicada originalmente em 1967, primeiro em fascículos, e desde então reeditada num só corpo, regularmente revista e atualizada desde 1981.
A sua bibliografia, porém, teve início há quase 60 anos, com “Para Uma Interpretação do Classicismo”, a sua tese de licenciatura datada de 1962, a que se seguiram títulos como “Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa”, “O Teatro de Actualidade no Romantismo Português”, “O Significado da Ilha dos Amores na Estrutura de ‘Os Lusíadas'”, “A Estrutura do Romance”, “Fialho de Almeida e o Problema Sociocultural do Francesismo”.
Em 2011 foi publicado o “Dicionário de Luís de Camões”, que concebeu e coordenou.
Além de ter estado na génese do Instituto Camões, Aguiar e Silva também coordenou a Comissão Nacional de Língua Portuguesa (CNALP), tendo sido ainda membro do Conselho Nacional de Cultura.
Em 1973, escreveu em defesa da reforma do sistema educativo e interveio no congresso da Acção Nacional Popular, partido único da ditadura, sucessor da União Nacional, com a comunicação “A Oposição Democrática e a sua Ideologia Totalitária”.
Nascido em setembro de 1939, na freguesia de Real, concelho de Penalva do Castelo, Vítor Manuel Aguiar e Silva frequentou o Liceu Nacional de Viseu e licenciou-se em Filologia Românica, pela Universidade de Coimbra, onde se doutorou em Literatura Portuguesa.
Transferiu-se, em 1989, para a Universidade do Minho, de que foi vice-reitor, até à aposentação, em 2002, e onde foi professor catedrático no Instituto de Letras e Ciências Humanas. Aqui fundou e dirigiu o Centro de Estudos Humanísticos, assim como a revista Diacrítica.
O ensaísta recebeu o Prémio Vergílio Ferreira, em 2002, atribuído pela Universidade de Évora, o Prémio Vida Literária, em 2007, instituído pela Associação Portuguesa de Escritores, e o Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural, da Sociedade Estoril Sol, em 2018.
A obra “A Lira Dourada e a Tuba Canora: Novos Ensaios Camonianos” valeu-lhe, em 2009, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus.
Em 2004, recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública.
Hoje, Vítor Manuel de Aguiar e Silva foi escolhido pelo júri do Prémio Camões, porque “a sua obra reconfigurou a fisionomia dos estudos literários em todos os países de língua portuguesa”.
O júri cita o seu percurso camoniano e a sua obra “Teoria da Literatura”, dando-a como “exemplo emblemático de um pensamento sistematizador que continuamente se revisita”.
A ministra da Cultura, Graça Fonseca, destacou, por sua vez, as “qualidades intelectuais e académicas, mas também o perfil humanista com que Aguiar e Silva marcou de modo decisivo gerações de alunos, um pouco por todos os lugares onde ensinou, bem como leitores”.
“A sua obra revela o seu apurado sentido crítico e o sempre renovado olhar de leitor”, acrescentou.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”.
Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2019 o prémio distinguiu o músico e escritor brasileiro Chico Buarque, autor de “Estorvo”, “Leite Derramado”, “Budapeste”, “Essa Gente”, entre outras obras.