Inspirada no comboio e em todo o imaginário à sua volta, através de memórias, da literatura ou do cinema, a peça “O meu amor virá de comboio” estreia-se em Viseu, cidade sem ligação ferroviária desde 1990.
“O comboio também é sonho e, em Viseu, tendo já havido comboio também, havia quase que um sonho por cumprir, ou seja, há toda uma memória do comboio nas pessoas que achámos que era muito importante divulgar”, “explicou um dos responsáveis da Associação Ritual de Domingo.
Cristóvão Cunha assumiu também que, “apesar de não ser nenhuma bandeira política”, para reivindicar novamente a linha férrea para a cidade, “é uma história que conta memórias do comboio, de quem lá trabalhou e que se está a perder” e também “inspirado na literatura de viagens, como a de Eça de Queirós, e no cinema” como os filmes de Alfred Hitchcock ou dos irmãos Lumière.
Segundo o responsável, durante todo o trabalho de investigação feito, a produção descobriu que, em Viseu, “a linha abre em 1890 e acaba em 1990, nunca nasceu corretamente e nunca teve um percurso regular” e percebeu que “Viseu é uma cidade dos comboios, não só pela sustentabilidade e ecologia”.
“Esta peça estava na nossa cabeça há muito tempo, nomeadamente na minha, porque a minha primeira viagem de comboio foi no Sudexpress e, apesar de já não me lembrar muito bem, há toda uma magia e cheiros num comboio que nenhum outro meio de transporte nos desperta”, defendeu.
Com a dramaturgia de Sónia Barbosa, da Associação Ritual de Domingo, sediada em Viseu, a peça estreia-se na Incubadora do Centro Histórico da cidade com espetáculos direcionados para as escolas, de 20 a 22 de novembro e, ao público em geral nos dias 23 e 24.
Um texto que se baseou em memórias de antigos funcionários e viajantes nas linhas do Dão e do Vouga, que passavam por Viseu, “mas não é a história do comboio de Viseu” e a prova disso é que a associação está a candidatar a peça a outras cidades, com o intuito de “a levar a todo o lado” e, neste sentido, “um dos principais parceiros deste projeto é a Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos de Ferro (APAC)”.
“A única coisa que vai mudar de local para local é a folha de sala, porque estamos a pedir com antecedência que as pessoas nos enviem o que tiverem sobre as memórias do comboio, sejam fotografias, bilhetes, histórias, alguma coisa, porque isso sim vai variar de sítio para sítio, porque serão as memórias daquela localidade e será um registo de memória para o futuro”, especificou Cristóvão Cunha.
Nos dias seguintes “O meu amor virá de comboio” passará pelas localidades de Farminhão, Torredeita e Vil de Soito, freguesias do concelho de Viseu por onde passava a linha ferroviária e que, segundo o vereador da Cultura da câmara, é “um aspeto positivo deste projeto, porque o espetáculo ultrapassa as barreiras da cidade”.
O vereador Jorge Sobrado, na apresentação da peça do teatro, que decorreu na Incubadora, num cenário a ilustrar uma antiga estação de comboio, defendeu também que “a arte é, em certa medida, sempre política, não na forma comummente atribuída”, e, por isso, “se esta peça for um ato político de manter a chama viva de um sonho de futuro de um dia o comboio regressar a Viseu, então que seja”.
“Viseu é, à sua dimensão – com 100 mil habitantes e numa região envolvente de 250 mil habitantes – a única cidade da Europa sem comboio”, argumentou Jorge Sobrado para elogiar “esta intervenção artística” que “é muito bem-vinda, caso venha agitar essa memória e essa vontade de regresso” do comboio.
“O meu amor virá de comboio” é um projeto que conta também com uma oficina sobre modelismo e é apoiado pela autarquia viseense em 85%, através do programa municipal Viseu Cultura, ou seja, em 15 mil euros, uma vez que a produção tem um orçamento de 18 mil euros.
Lusa
Foto : Wikipedia