Maradona em Viseu – As minhas memórias

Era a década de 80 do século passado. Tudo era possível. Tudo estava a acontecer. O ano de 1982 foi marcante para a minha geração. O rock em português estava a “explodir”, a televisão começou a transmitir a cores e realizou-se o Mundial de Futebol em Espanha. Um acontecimento muito perto de nós e que foi transmitido na íntegra na RTP a cores. A seleção brasileira era a paixão de, quase, todos os adeptos e intervenientes do futebol e presenciávamos o “nascimento” à escala global de Diego Armando Maradona.

Para nós, beirões, foi uma época em que o Académico de Viseu era um clube de 1.ª divisão e, nem que seja por isso, os anos 80 começaram com cor e a cidade tornou‑se mais dinâmica e moderna.

E eis que surge a notícia de que os Prémios Gandula 1982/1983 iam ser entregues em Viseu e que entre os premiados estava Maradona. Estes prémios eram uma criação do jornalista brasileiro Wilson Brasil e homenageavam dezenas de desportistas – das mais diversas modalidades – além de jornalistas e personalidades que se haviam destacado no mundo do desporto. Os agraciados recebiam um pequeno troféu dourado com a figura de um “gandula” (uma das crianças apanhadoras de bola nos jogos de futebol), que personificava, segundo o seu criador, “a humildade que simboliza a grandeza do desporto”. Para quem, como eu e os meus amigos, respirava futebol, foi desde logo uma excitação podermos estar junto dos nossos ídolos e, caso fosse verdade, de Diego Maradona.

Existem poucos registos desse evento. Só a memória de alguns que estiveram presentes e, como sabemos, esta por vezes atraiçoa-nos. Não posso precisar a data, sei que era uma noite fria, bem beirã. Eu e alguns dos meus amigos da Zona da Sé deslocámo-nos para o Restaurante São Mateus, por volta das 20:30, para podermos ver os treinadores, jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes que conhecíamos dos cromos e da TV. Neste restaurante decorreu o jantar com os convidados, que teve como anfitriões o presidente do Académico de Viseu, António Joaquim Ferreira (responsável por ter convencido Wilson Brasil a vir a Viseu realizar este evento), e o próprio criador do prémio.

No fim do jantar, convivia-se animadamente e enquanto se vestiam os casacos quentes para a noite fria que estava na zona da Feira, o então presidente da AFV, Osório Mateus e o jornalista Vilas Boas, sabendo que uma dúzia de crianças esperava pelo momento em que os presentes iam sair do restaurante para o Pavilhão A, vieram, como era apanágio destes grandes senhores, chamar‑nos para podermos recolher autógrafos e estarmos, um pouco, junto de todas estas personalidades do desporto. António Vidal e António Figueiredo Caessa, presidente e vice-presidente da Câmara de Viseu na época e Carlos Costa, secretário da AFV, estavam do “nosso lado” nesta procura pelo contactar tanta gente ilustre. Não sendo eu muito de me chegar à frente, ainda consegui, na minha sebenta de escola, os autógrafos do José Maria Pedroto, João Rocha, António Garrido e de atletas como Gomes, Inácio, Reinaldo, Dito, Otávio, Mário Jorge, Fonseca e outros que, ainda, guardo religiosamente. Não havia selfies!

O evento começou no Pavilhão A da Feira de São Mateus e nós, que não tínhamos acesso, mantivemo‑nos junto à entrada, nas grades à espera de Maradona. A verdade é que as informações eram contraditórias e se uns diziam que ele já não vinha, outros que ele já estava na cidade a jantar. A mentalidade “tuga”, sempre presente, é que era um logro e que Maradona nunca viria a Viseu neste dia e que tudo não passava de uma manobra de boas intenções ou de marketing.

Não foi o que aconteceu. De repente damos pela chegada de um carro e de lá de dentro sai o Diego Maradona. A noite fria aqueceu e cerca de duas dezenas de crianças e jovens que ali estavam correram para ele na ânsia de conseguir um autógrafo ou mesmo apenas de estar ao seu lado.

Não fui um dos felizes contemplados. Mas, para quem vivia com paixão o desporto, estar na minha cidade e receber Maradona foi um dos momentos que me tiraram o sono. Na época o futebol era, quase, tudo para mim. Meses mais tarde, como o meu cabelo já era encaracolado, a minha adoração pelo “El Pibe” levou-me a querer pôr brinco na orelha, como ele. O meu pai é que não foi na conversa e brinco na orelha era sinal de não ter lugar à mesa para comer! Bons tempos. Dentro do Pavilhão, nada sei do que se passou, mas Maradona não esteve muito tempo na cerimónia. A saída dele em passo apressado aconteceu uma hora depois, se tanto, e entrou de novo no mesmo carro que o transportou não sei para a Marisqueira Alvorada, aeroporto, ou se mesmo para o aeródromo de Viseu.

Muitas histórias são contadas. Existe um grande romantismo à volta desta passagem de Maradona por Viseu. Hoje é difícil explicar às novas gerações os significados destes acontecimentos saboreados lentamente e em que o mundo ainda era muito a preto e branco.

A verdade é que o melhor jogador de futebol de sempre esteve na minha cidade, onde foi agraciado, quando já era um ídolo para muitos de nós. Se o Mundial de 82 não lhe correu bem e a “minha” Itália ganhou ao Brasil e foi campeã, Maradona, jogador do Barcelona, que começava a ser o número 1 do mundo para mim, marcou presença numa gala realizada numa cidade do interior do país. Deu-se a esse trabalho ou prazer. Era Diego Armando Maradona!

Nunca fui de correntes e os meus ídolos foram sempre atletas geniais pelo que faziam em campo e pela sua personalidade, muitas vezes excêntricas. E aí ele era um génio único. Sem igual. Nunca o foi pelos valores que devem reger um futebolista. Desordenado ou caótico. Mas para mim foi o melhor. Sempre foi Maradona.

Saudades de Maradona.

 

Vítor Santos

Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto

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