O coletivo artístico Mochos no Telhado, de Viseu, está a materializar em palco a revista “Kamarád”, que foi criada por crianças e jovens do campo de concentração de Theresienstadt, durante a segunda Guerra Mundial.
“Kamarád – 23ª edição” é o nome do espetáculo que está, a partir de hoje, a ser apresentado a grupos escolares e, na sexta-feira e no sábado, poderá ser visto pelo público em geral.
“Não é um espetáculo sobre o holocausto. É um espetáculo sobre a revista, ainda que esta revista tenha existido nesse contexto e não dá para fugir a ele”, disse aos jornalistas Dennis Xavier, um dos diretores artísticos do coletivo.
O objetivo foi “materializar esta revista num palco, dar-lhe vida, dar voz às histórias, aos sonhos e às ambições” daquelas crianças e jovens.
“É um espetáculo que celebra a vida destes jovens que, através da arte e através daquela revista, conseguiram encontrar um porto de abrigo para darem uma continuidade de normalidade, se se pode dizer assim, às suas vidas”, sublinhou.
Dennis Xavier admitiu que “foi um desafio muito delicado”, atendendo à sensibilidade da temática do holocausto, mas que o coletivo tentou “ao máximo manter a integridade dos textos, preservar uma linguagem simbólica que os miúdos tinham” e que denotava a influência do meio em que estavam inseridos.
“Muitas vezes, as brincadeiras deles falavam de crematório, de morrerem asfixiados. Sabemos que são formas sensíveis de passar uma comunicação, mas quisemos manter a integridade do conteúdo da revista”, justificou.
O diretor artístico contou que teve contacto com esta revista durante um seminário em Israel, em 2018, e, como o coletivo tenta sempre que os seus espetáculos tenham uma dimensão pedagógica e de intervenção educativa, decidiu pegar nela e transformá-la “numa intervenção pedagógica através da arte”.
Neste âmbito, houve uma componente de investigação, outra de intervenção no meio escolar (com oficinas dirigidas a turmas da Escola Secundária Emídio Navarro) e este espetáculo que funciona quer para os estudantes, quer para o público em geral.
Co-criado e interpretado por Clara Spormann, Dennis Xavier, Gabriel Gomes, Sofia Moura, o espetáculo conta com música ao vivo de alunos do ensino articulado de música do conservatório de Viseu.
A revista “Kamarád” foi escrita por 23 crianças e jovens, com idades entre os 11 e os 14 anos, que viviam no ‘heim’ (quarto) A do edifício Q609, numa das casas exclusivas para crianças.
Segundo o coletivo, esta revista “era apenas uma das várias revistas do campo que representam a busca por significados e formas de resistir num cenário extremo de miséria e opressão”.
“Na cor das escassas aguarelas encontramos a infância que não lhes havia sido permitida. Nas palavras, as promessas a quem o barulho dos comboios não roubou a capacidade de sonhar e de se imaginar no amanhã”, realça.
