Viseu Dignificado ao Pontapé

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No arrastar moroso das últimas décadas, o futebol tornou-se no fuzil predilecto dos intelectuais de erva-daninha. “O povo só pensa em futebol” ou “O futebol é pão e circo” são chicotes comuns de eixos podres ou luzes que deviam ser, definitivamente, apagadas. Esse preconceito de monóculo nasce de uma inveja inconfessada daquilo que a arrogância não conquista: abraços anónimos, vozes em fogo unido, merendas d’improviso, recordações dribladas. E quando o pai isola, com visão de virtude, o filho para o golo? Está lá dentro! É golo da sucessão. Os inimigos são cegos por não quererem ver, amputados por não quererem aplaudir. Ainda há beleza no futebol, é sobre isso que hoje versa o artigo de opinião do Escriba. 

O Académico de Viseu empatou com o FC Porto no Estádio do Fontelo nas meias-finais da Prova Rainha: a Taça de Portugal. Conheci o Académico em 2009, na subida da III divisão contra o Anadia. Toda a paisagem temporal da montanha do ontem até ao rio do hoje mostrou-me duas subidas de divisão: 2011 (em casa do Sampedrense) e 2013 (em casa do São João de Ver). Mas foi muito mais do que isso.  O esquecimento, esse sono breve, anda à solta nos campos do nosso nome, mas as suas presas não passam migalhas vãs, tudo aquilo que não perdura. Os convívios nas viagens incómodas dos autocarros, as partilhas de bola e vinho com os velhos cajados de pipo à mão, as invasões aos relvados que, por minutos, também nos pertenciam, as horas dedicadas às faixas negras e brancas, o apoio inconsciente dos pavões à claque e o tímido regresso de uma relação entre o clube e a cidade são imagens pequenas na eternidade de um homem pequeno. 

Ricardo Chéu, carismático ex-treinador do Académico de Viseu, actualmente a orientar o Spartak  Trnava, Eslováquia, revelou ao Escriba toda a simpatia que nutre pelo clube: “Como é público, o Académico de Viseu tem uma importância enorme na minha carreira e é, aliás, o clube que mais sigo em Portugal neste momento. Tenho o desejo de voltar a treinar o clube. Uma cidade como Viseu merece criar esta identificação com o clube e ver o Fontelo cheio, algo que sempre apelei durante a minha passagem pelo Académico, é algo que me enche de felicidade. Todos os jogadores, equipa técnica, funcionários e direcção estão de parabéns por este feito. Chegar à final da Taça de Portugal seria tremendo para o clube, para a cidade e para o interior.” José Leal, um dos históricos do clube e ex-internacional português, não abdicou do seu veredito: “Pertenci à última equipa do Académico a subir ao primeiro escalão do nosso futebol. Sou academista e fico satisfeito com toda a euforia que Viseu está a viver, mas há muito caminho pela frente, o fosso entre o clube e o povo viseense ainda não foi derrotado.” 

Fui feliz com o Académico, que mais importa? Ver o clube sobre o campo honrado da taça mais portuguesa do país e do povo, é como ver uma criança que vira homem. “No Fontelo ninguém passa!”, nós já vencemos esta Taça de Portugal. Cruyff disse que nunca viu um saco de dinheiro marcar um golo e o Académico confirmou-o. Viseu foi dignificado ao pontapé.

 

Francisco Paixão  

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