Se 2020 assistiu à edição de resiliência e do querer, da
inquebrantável vontade da organização em colocar na estrada o Portugal de
Lés-a-Lés, 2021 provou a importância do evento que a Federação de
Motociclismo de Portugal promove há 23 anos. O sucesso foi, mais do que
nunca, medido em sorrisos, valor intangível em termos de retorno
financeiro, mas que deixou todos de coração cheio. Todos! Dos elementos
da eficaz máquina organizativa aos cerca de 2500 participantes, passando
pelos elementos das autarquias, freguesias e clubes que apoiaram a grande
maratona e, sobretudo, das populações atravessadas pela enorme e
heterogénea caravana.
Foram 1027 quilómetros de descoberta e alegria, de História e boa
disposição, de paisagens e contacto com as gentes locais, de património e
prazer de condução. Foram 4 dias de liberdade no tão ansiado regresso à
estrada por parte dos mototuristas portugueses, lusitanos dos quatro cantos
do Mundo, mas também espanhóis (muitos como sempre!), franceses,
italianos, alemães, belgas, holandeses, suíços, brasileiros, angolanos e
húngaros. Foram quase 200 horas, ao longo dos 4 dias, a ver passar motos
de uma caravana que estendia por 6 horas um manto de enorme alegria à
passagem em cidades e vilas como nas mais recônditas aldeias. Foi um
passo importante rumo à normalidade que todos desejam, um clarão de
esperança para quem esteve fechado ao mundo durante mais de um ano e
meio.
Uma caravana enorme que ligou Chaves a Faro tendo a mítica
Estrada Nacional 2 como linha-mestra, mas que mostrou muito mais
Portugal numa aventura que teve São Pedro do Sul e Abrantes como portos
de abrigo entre cada uma das três etapas. Mas foi, também, “Muito mais
que a N2”! A Comissão de Mototurismo da FMP prometeu e cumpriu,
calando os mais céticos que pareciam duvidar de tudo o que Portugal tem
para oferecer, levando animação a 35 concelhos dos 11 distritos
atravessados pela estrada que surgiu no 1.º Plano Rodoviário Nacional, em
1945, como espinha dorsal de uma rede viária que pretendia acabar com
assimetrias e chegar mais perto das gentes do interior. A Associação de
Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 (AMREN2) aceitou o desafio da
FMP e ajudou a descobrir recantos inimagináveis, que surpreenderam
mesmo aqueles que se achavam perfeitos conhecedores dos segredos da
N2. E assim, além de atravessar os 13 grandes rios e 11 serras, o 23.º
Portugal de Lés-a-Lés serviu de alavanca a uma recuperação económica e,
porque não dizê-lo, psicológica de uma região do País particularmente
fustigada pelas sequelas de uma pandemia que teima em continuar a
atormentar mais do que meio mundo o Mundo inteiro.
Solidariedade sobre (duas) rodas
Solidários como só os motociclistas sabem ser, ninguém hesitou em
responder de forma afirmativa ao desafio lançado pela FMP, esgotando a
hotelaria dos locais que acolheram a caravana e deixando milhares e
milhares de euros na restauração, nos postos de combustível e nas mais
diversas lojas e outros serviços. Um contributo a que se juntou a mensagem
de esperança nos melhores dias que aí vêm, importância sublinhada pelo
Secretário de Estado da Juventude e do Desporto que na chegada a S. Pedro
do Sul, no ‘seu’ distrito de Viseu, expressou a «grande satisfação por sentir
o impacto imediato deste evento motociclístico» em que, enquanto membro
do executivo, participa desde 2017. João Paulo Rebelo confirmou, nesse
momento, que «a capacidade hoteleira de S. Pedro do Sul – e que é bem
significativa – estava completamente esgotada, algo de muito importante
para as populações porque é importante ir animando a economia, o que é
bem necessário para mais rapidamente conseguirmos ultrapassar estes
momentos menos bons».
Aquilo que muitos viam como um verdadeiro dois-em-um,
cumprindo os sonhos de fazer o Lés-a-Lés e descobrir a N2, foi, afinal,
muito mais do que isso. Foi a oportunidade de contribuir para a
revitalização do interior ao longo de jornada onde não faltaram imensas
escapadinhas à descoberta de surpreendentes tesouros de paisagens e
monumentos pouco conhecidos. Que espantaram os muitos estreantes como
os mais experientes. Tanto os quatro totalistas – Luís Simão com a sua
inconfundível Yamaha Virago 535 que o acompanha desde 1999, Ângelo
Moura, presidente da C.M. de Lamego, o portuense Paulo Mendes e o
mirandelense Luís Santos – como Hélder Alves que vai na nona
participação, sempre aos comandos de uma Jawa 250 fabricada em 1952,
«e que voltou a terminar sem qualquer problema», ou o sempre animado
grupo ribatejano das cinquentinhas de Santo Estevão e Benavente.
Atravessar fronteiras e quebrar barreiras
Tempo para colocar um pé em Espanha, com a ajuda de
contrabandistas e anuência dos guardas fronteiriços de um e outro lado da
fronteira flaviense em divertida recriação histórica, e para conhecer
castelos como o de Santo Estevão, Monforte de Rio Livre ou Forte de S.
Neutel (em Chaves), Aguiar da Pena, Vila Real (arruinado), Lamego e
Montemor-o-Novo. Pontos ao longo do País cuja viagem era confirmada no
passaporte especificamente criado para o evento, com 35 carimbos que
atestavam o cumprimento de todo o percurso incluindo as passagens nas
barragens de Mairos, Aguieira, Cabril ou Odivelas, na Igreja Românica da
Nossa Sr.ª da Azinheira (Séc. XII), nos vestígios Igreja Matriz de Chaves,
no Palace Hotel do Vidago, no Hotel Avelames (Vidago) ou no Palácio do
Marquês de Reriz (S. Pedro do Sul).
Trajeto com pontos de interesse naturais (Pedra Bolideira, em
Chaves, ou a Livraria do Mondego, em Penacova), locais paradisíacos
(praias fluviais de Fornelos, Vimieiro, Cornicovo ou Mega Fundeira),
aldeias e vilas lindíssimas (Mairos, Faiões, Casas Novas, Tulhas da
Cabreira, Colmeal,, Galveias, Água Formosa e Sardoal entre tantas outras)
e pontos de grande carga histórica, da romana Ponte de Trajano (em
Chaves) a S. Pedro das Cabeças (local onde D. Afonso Henriques terá
derrotado os 5 reis mouros, na conhecida como Batalha de Ourique),
passando pela Cava do Viriato (Viseu) ou pela ponte filipina da Carvalha
(Sertã). Mas houve ainda tempo para a modernidade da ponte pedonal de
Ponte de Sor (especialmente aberta às motos), para descobrir as minas de
Aljustrel, para apreciar as vistas dos miradouros de S. Lourenço, Fragas do
Rabagão, Penedo Furado ou do Caldeirão e para visitar locais de culto
religioso, do Santuário da Senhora do Viso (St.ª Marta de Penaguião) à
Nossa Senhora dos Remédios (Lamego), Sr.ª da Ouvida (Castro Daire),
igreja da Ermida do Paiva, Sé Catedral de Viseu, Nossa Senhora da
Candosa, Igreja de Alcáçovas, Santuário da Sr.ª do Castelo (Aljustrel),
assim como os museus Nadir Afonso e da Região Flaviense (ambos em
Chaves), da Vila Velha (Vila Real), Centro de Interpretação da Máscara
Ibérica (Lazarim) ou da Ruralidade (Castro Verde) numa viagem com
passagem e vários centros históricos mais ou menos recuperados.
E, na chegada à Faro, depois de dias em que a temperatura ambiente
variou entre os 4.º e os 35.º, era bem confortável o sentimento prazenteiro
expresso em tantos sorrisos, em abraços e brindes, com promessa de
regressar à capital algarvia dentro de um ano, para a partida do 24.º
Portugal de Lés-a-Lés.