Projeto “O Desporto e o Bullying

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O desporto tem benefícios para a saúde e educação, sendo um meio de promoção do desenvolvimento pessoal e social com uma componente inclusiva. Todas as crianças e jovens têm o direito de praticar desporto, independentemente do seu nível de performance, assim como de fazê-lo em condições de segurança e livres de bullying.
Tendo em consideração a importância da prática desportiva ao nível da educação, factores interpessoais como o bullying devem ser um aspecto a ter em consideração ao nível dos clubes, da escola e outros espaços desportivos. Para além das questões relacionadas com os resultados e desempenho dos atletas, as entidades desportivas, incluindo os clubes, têm o dever de zelar pelo interesse e bem-estar dos jovens praticantes, promovendo ambientes adequados. A construção de espaços inclusivos e promotores do desenvolvimento físico e social assentam numa intervenção articulada entre de diferentes entidades ligadas ao desporto, tais como as federações, clubes, escolas e organismos ligados ao mundo do desportivo, assim como os diferentes intervenientes como os atletas e treinadores, mas também os dirigentes desportivos e pais dos atletas.

O que é o bullying?
O bullying consiste num comportamento agressivo entre pares, no qual existe uma desigualdade de poder entre agressor e vítima e a última não consegue defender-se, caracterizando-se por ser um comportamento intencional e repetitivo. O bullying divide-se em vários tipos tais como o verbal, que consiste em gozar, chamar nomes e ofender, o social, que se caracteriza essencialmente pela exclusão de um ou mais elementos do grupo de pares, esconder ou roubar pertences ou espalhar rumores e boatos, sendo estas as duas formas de bullying mais comuns ao nível da formação desportiva. Frequentemente o bullying começa por ser maioritariamente verbal, e o seu agravamento leva a que se dê de forma combinada, sendo também social. O bullying físico consiste em agressões que envolvam contacto físico, sendo menos comum que o bullying verbal e social mas apresentando valores a ter em consideração. O cyberbullying consiste numa forma que recorre às tecnologias como meios para que se dêem as agressões, como por exemplo, através das redes sociais ou telemóveis.

Nos episódios de bullying estão presentes diferentes intervenientes tais como os agressores, as vítimas e os observadores. O bullying pode ser individual ou em grupo – o primeiro caracteriza-se por ser uma relação entre um agressor e uma vítima, enquanto no bullying em grupo existem vários agressores que atacam uma ou mais vítimas. Os observadores estão presentes, dividindo-se em vários tipos, nomeadamente os que observam ser fazer nada, os que intervêm em defesa da vítima e os que se juntam aos agressores e acabam por participar também directamente no bullying.

Porquê intervir face ao bullying?
Actualmente o bullying é considerado um problema crónico e com consequências graves para os seus intervenientes a vários níveis, sendo considerado por alguns especialistas como uma questão de saúde pública. Está presente no contexto da formação desportiva, em modalidades individuais, colectivas e de combate e é um fenómeno que muitas vezes passa despercebido a treinadores, por se dar geralmente em locais não vigiados, e porque os intervenientes tendem a não falar com adultos sobre o problema.
O bullying é transversal a vários contextos, dando-se muitas vezes tanto na escola como no clube desportivo, podendo alastra-se de um contexto para outro. O aumento da frequência e duração da vitimização levam ao aumento do isolamento por parte das vítimas, diminuindo a procura de ajuda e agudizando o problema. O bullying é um factor que contribui para o abandono precoce da prática desportiva, indo contra os valores de inclusão subjacentes ao desporto.

Alguns aspectos sobre o bullying no contexto da formação desportiva
O bullying no contexto desportivo dá-se maioritariamente dentro do clube, em espaços informais e escondidos dos olhares dos treinadores, com especial incidência no balneário. O local de treino e competição são também espaços onde os episódios de bullying ocorrem com frequência, assim como nos locais de estágio. Com o aumento da gravidade, o bullying tende a alastrar, passando a abranger outros espaços dentro e fora do clube, existindo uma tendência para que a participação nas agressões se estenda a mais elementos do grupo, diminuindo a probabilidade de os observadores ajudarem a vítima. Os colegas são a principal fonte de apoio das vítimas, seguidos dos treinadores, pelo que os treinadores e outros adultos muitas vezes não têm conhecimento dos episódios de bullying. Assim, o aumento da gravidade do bullying conduz a um isolamento cada vez mais acentuado das vítimas.
Os aspectos relacionados com a personalidade dos intervenientes, especialmente vítimas e agressores, são factores importantes a ter em consideração na explicação do bullying. No entanto, existem outros aspectos importantes, nomeadamente o sentimento de poder por parte do agressor ao participar nos episódios de bullying, a rivalidade entre colegas e os efeitos de pressão dos pares que podem exercer uma forte influência sobre o comportamento dos indivíduos, especialmente na adolescência, levando-os a adoptarem atitudes e comportamentos que vão de encontro às normas aceites e defendidas pelo grupo e que podem levar a que o atleta tenha comportamentos que vão inclusivamente contra os seus valores, para sentir que é aceite pelos colegas.
Os grupos tendem a ter um grupo de ideias, atitudes e valores que pautam o seu comportamento, determinando em grande medida o que é ou não aceite. No contexto da formação desportiva, a baixa performance desportiva, o excesso de peso e as diferenças físicas e de aparência são factores que podem potenciar a vitimização. Estes aspectos estão frequentemente associados a uma desvalorização do atleta face aos colegas. Outros aspectos importantes consistem em períodos mais sensíveis para a ocorrência de bullying, que correspondem ao período inicial de formação de grupos, altura em que se estão a estabelecer as lideranças e que a agressão entre colegas é mais acentuada, tendendo a diminuir com o passar do tempo. A integração de um atleta novo num grupo já formado, nomeadamente quando se dá a subida de escalão, leva ao aumento da probabilidade de vitimização do novo elemento, ligadas a questões de hierarquia, rivalidade e outros fenómenos de grupo. Existem factores que podem facilitar ou dificultar a integração dos novos elementos. Admite-se uma relação muito forte entre comportamentos de bullying e abandono desportivo.
Necessidade de intervir
Os programas anti-bullying ao nível da formação desportiva deverão abranger vários níveis e intervenientes, devendo incidir especialmente na prevenção e intervenção precoce.
A intervenção deve ser feita ao nível das entidades desportivas, das escolas e da comunidade, abrangendo pais, atletas, treinadores e dirigentes desportivos, baseando-se na sensibilização e mudança de atitudes através da desmistificação de falsas crenças e acções de carácter educativo no sentido de promover a tolerância e a inclusão.
Os treinadores são uma fonte de apoio muito importante para as vítimas e a forma como gerem o grupo de atletas condiciona muito os comportamentos dos mesmos. É essencial que o combate ao bullying passe pela formação de treinadores, no sentido de conhecerem o fenómeno, as suas características e implicações, permitindo que, no futuro, possam identificar melhor os episódios de bullying e estejam apetrechados com estratégias para fazer face às situações.
A intervenção deverá ser feita ao nível do grupo de atletas, com intervenções específicas para agressores, vítimas e observadores. Todos os atletas fazem parte do fenómeno de bullying de forma activa ou passiva, podendo contribuir para a sua potencialização ou diminuição.
No que concerne à estrutura do clube, é importante criar uma organização que permita que as vítimas partilhem as experiências pelas quais estão a passar e a elaboração de um código de conduta explícito. A monitorização dos espaços também é um aspecto a ter em consideração para que se dê a diminuição do bullying.