Parte I
Quem não respeita o seu passado, renega-se a si mesmo. A saudade acaricia o passado e dá corpo a uma identidade. Nós, homens, copiamos as árvores na forma como subsistem na sua estática elegância: as raízes das árvores são as nossas memórias, onde edificamos o nosso Eu. As bandeiras das nações são costuradas com os fios dos séculos… sim!, costura! É precisamente sobre isso que o oitavo número do Escriba trata, mas já passaremos para esse capítulo, deixemos esse assunto para a parte II. As nações devem ao pretérito as cores das bandeiras, os escudos e os versosdos hinos que hasteiam os pelos arrepiados dos patriotas.
Mas por que motivo insistimos tanto no passado nesta página? Porque
homenageamos um dos ofícios mais tradicionais da cultura portuguesa, que integra o imaginário do ganha-pão antigo, que vemos hoje pintado de sépia ou de preto e braços pousados sobre a mesa, a ponta gelada das máquinas atingia os tecidos como munições em honradas guerras p’la simetria.
Parte II
Quem melhor do que o marinheiro para falar do mar ou o poeta dos versos? Neste número do Escriba contamos com a participação de Carla Oliveira, professora de 35 anos envolvida na arte da costura criativa com o seu negócio independente “Sorrizitos”; direcionado, sobretudo, para bebés e crianças. Como começou a costurar, pois, uma docente? “Os Sorrizitos surgiram quase como brincadeira.
Quando nasceu o meu primeiro filho, responsabilizei-me do enxoval com o propósito de fugir do mercado estandardizado. A partir daí, os meus trabalhos começaram a ser apreciados por amigos, familiares e pessoas próximas. Com o tempo, o hobbie tornou-se num pequeno negócio.”
Existirá, contudo, espaço para estas atividades tradicionais num mercado cada vez mais globalizado, uniforme e de costas voltadas para o encanto dos costumes antigos? Para Carla, existe: “A costura, inevitavelmente, fará sempre parte da vida humana. Tem existido, nos últimos tempos, um interesse crescente pelas profissões mais antigas. É importante semear o gosto por esse tipo de atividades para que o seu legado se mantenha vivo.”
Será que o facto de Carla Oliveira ser mãe contribuiu para o seu processo criativo? Melhor dizendo: será que ser mãe permite compreender melhor o mundo fantasioso e pueril de uma criança e, dessa maneira, costurar as suas emoções com o fio maternal? “Sem dúvida. Sou muito mais capaz de dar resposta aos pais que procuram o meu trabalho. Faço uso da minha experiência enquanto mãe para ajudar os clientes a tomar a decisão que vá mais ao encontro do que desejam para os seus filhos.”
Quanto à estética do seu trabalho, a costureira não tem dúvidas em colocar a simplicidade no cume da torre prioritária. “Prezo, acima de tudo, o que é simples. O azul e o rosa são as cores predominantes nas minhas criações. O facto dos pais confiaram no meu trabalho é o maior reconhecimento que posso receber.”
O Sorrizitos persuadiu os corações enternecidos de pais que idealizam as vestes das suas crias. Beneficiando do facto do marido de Carla trabalhar numa negócio de máquinas de costura, esta dispôs dos meios que precisava para desenvolver o seu projecto. Encoraja, ainda assim, todos os românticos que ainda sonham viver destas velhos misteres, cujas rugas dos séculos não perturbaram a beleza dos ditos ofícios: “
Eu acredito que se as rendas fossem mais acessíveis, haveria muito mais gente a lançar-se no negócio. As páginas nas redes sociais, blogs e outros meios, ajudam, mas no caso do artesanato tradicional o cliente gosta de ver ao vivo, tocar e
verificar a qualidade daquilo que compra. Quem tem fé no seu trabalho e se estiver rodeada da gente certa, o seu projecto tem tudo para dar certo.”