Quando era moço, muitas vezes ouvi contar a velha história ou anedota, do transmontano, que mandara o filho, estudar, para Coimbra.
Andava, o homem, radiante. Inchado como pavão, e sempre que botava “faladura”, dizia, com a boca cheia de risos: – “ Meu filho estuda em Coimbra, para doutor! …”
Mensalmente, sem falta, mandava-lhe a mesada, e este, também, mensalmente, respondia-lhe contando aventuras coimbrãs.
Certa tarde, após o almoço, estando no soto, a jogar a bisca, com amigos, ergueu o grosso copo de vidro, cheio de vinho carrascão, e disse de semblante sombrio:
– “Estou preocupadíssimo…Meu filho, doutor, deve estar doente…Há meses que não recebo notícias, apesar de lhe enviar sempre a mesada! …”
Um dos amigos, mais astuto, que ouvira suas falas, imediatamente o aconselhou:
– “Queres saber novas do rapaz?! É fácil: escreve-lhe, dizendo: junto seguem cem escudos, para despesas extraordinárias; mas, “ esquece” de os incluir…Verás que a resposta não demorará…”
E assim foi. Em breve chegou missiva afetuosa, esclarecendo, que a nota não chegara…
Ao recordar a história do agricultor, sempre me lembro dos amigos, que ao longo da vida, fui conhecendo.
Nunca têm tempo para me telefonar; mas, quando precisam de alguma coisa, em que lhes posso ser-lhes útil, logo ligam, pedindo isto e aquilo.
Outrora ficava triste, com a ingratidão, mormente, quando recebido o favor, acrescentavam: – “Qualquer dia havemos de tomar café juntos…” Dia, que ficava para as calendas gregas….
Antigamente, a ingratidão, perturbava-me; agora, é motivo de alegria.
Digo: alegria, porque é sinal que se encontram bem, e que não precisam de mim, para nada.
Habituei-me á ingratidão e à indiferença; mas, lembro com tristeza: se viesse, porventura, a precisar, poderia contar, com eles? …
É dúvida que me fica a bailar na mente, cuja resposta não quero conhecer: é sinal, que também, não preciso deles, para nada.
Foto: Coimbra- Wikipedia