Uma década de trabalho de investigação em torno do cardo, cuja flor é usada na produção do Queijo Serra da Estrela DOP, é retratada num livro lançado hoje, em Viseu, que mostra a multifuncionalidade de exceção desta planta.
“Cardo Máximo” é o livro da autoria de Paulo Barracosa, professor no Departamento de Ecologia e Agricultura Sustentável da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Viseu (IPV).
Flor, folha, caule, semente e até a raiz do cardo podem e devem ser aproveitados, defendeu Paulo Barracosa, em declarações à agência Lusa: “Então a planta retira os nutrientes do solo, aplica naquele volume de biomassa, de folhas, de caules, etc. e nós só utilizamos a flor? Temos de olhar para o resto”.
É nesse sentido que, em parceria com outras instituições do ensino superior, entidades e empresas, o IPV tem trabalhado nos últimos dez anos. Atualmente, estão em vigor dois projetos, que se seguiram a meia dúzia de outros.
Apesar de a flor do cardo ser a parte mais falada, até porque o seu uso é obrigatório para a coagulação do leite com que se fabrica o Queijo Serra da Estrela DOP, Paulo Barracosa salientou as potencialidades dos outros componentes da planta.
“A folha é um excelente hepatoprotetor. É dos melhores protetores para o fígado em termos de infusão. Mas também tem muitas aplicações de índole farmacêutica, de tratamento biocida e antifúngico para culturas, como a vinha”, explicou.
Já o caule é “uma estrutura muito leve e resistente” e, portanto, muito apetecível para fabrico de mobiliário e para a indústria automóvel, exemplificou o investigador, acrescentando que já foi feito um ensaio com a empresa Finsa, de Nelas, que se dedica à transformação industrial de madeira.
“Fizeram placas de grande volume e de baixa densidade. Essa é a principal aplicação que o caule poderá ter e que estamos a tornar nobre”, contou.
A semente é rica em óleo, tal como a do girassol, e a raiz “tem inulina, que é um composto muito interessante”, acrescentou.
No que respeita à flor do cardo usada para o fabrico do queijo, Paulo Barracosa defendeu que a região devia ser autossustentável.
Os hectares de campos de cardo têm aumentado, foi já realizado um estudo que permitiu saber quais as plantas que produzem melhor cardo e que diferentes flores fazem diferentes queijos com o mesmo leite, mas a região ainda está longe de ser autónoma.
Após tantos anos de estudo sobre o cardo, o docente do IPV continua surpreendido com as suas potencialidades: “Mas que planta é esta que se dá toda? É uma planta que se renova anualmente, não precisamos de a plantar todos os anos”.
“E é uma planta com uma multifuncionalidade como não conheço outra. Dá óleo na semente, cardosinas (enzimas) na flor, compostos fenólicos (antioxidantes) na folha, biomassa de excelência no caule. Uma planta destas merecia um livro destes”, justificou.
Segundo Paulo Barracosa, o IPV está neste momento envolvido “num projeto de fileira para o queijo Serra da Estrela no qual o cardo também entra” e em outro relacionado “com o estudo as alterações climáticas no cardo e de que forma isso pode influenciar a composição bioquímica das flores e o comportamento do cardo”.
O docente afirmou à Lusa que não é difícil passar o seu entusiasmo por esta planta aos seus alunos, porque ela serve como elemento de estudo em várias áreas.
“Não há aluno que passe pelas minhas mãos que não leve um ensinamento sobre o cardo. O cardo dá para estudar bioquímica bem a fundo, questões de produção alimentar e de biotecnologia”, exemplificou.
De forma a comprovar as suas potencialidades no que respeita à gastronomia, no final da sessão de apresentação do livro será servido um “cardo de honra”, com vários produtos feitos com cardo, como cerveja, infusões, pickles, mel, bombons e vários tipos de queijo.