Maria Madalena inspira espetáculo sobre o luto que se estreia no sábado em Viseu

1662

A figura de Maria Madalena inspira um espetáculo que se estreia no sábado, no Teatro Viriato, em Viseu, e que tenta resgatar o direito ao luto, colocando em palco as experiências de cinco atrizes.

“Madalena”, nome da mulher que preparou o corpo morto de Jesus Cristo para as cerimónias fúnebres, conta com a direção artística de Sara de Castro.

“O espetáculo pega na figura da Maria Madalena como um símbolo de todas as construções que existem sobre a ideia do feminino e da mulher, mas sobretudo no aspeto concreto da relação dela com o corpo morto”, contou Sara de Castro à agência Lusa.

A encenadora aludiu ao paradoxo de, cada vez mais, se verificar uma banalização da morte dos outros, com a sua presença habitual nos noticiários, mas haver “um tabu também crescente” sobre a incapacidade de falar da própria morte e da morte das pessoas mais próximas.

“Cada vez mais, na nossa cultura, a relação com o corpo morto é uma coisa higienizada e distante”, frisou.

A figura de Maria Madalena coloca em palco a “memória ancestral” do trabalho das mulheres, que passava não só por dar à luz, mas também por preparar as mortes.

“A nossa ideia é perceber o que é que nos faz falta para recuperar essa relação mais partilhada, mais cuidadora e mais coletiva do luto, que não é, na nossa opinião, para onde a nossa sociedade tem tendencialmente caminhado”, referiu Sara de Castro.

Em palco, todas as atrizes vão passar pelo luto numa só noite, numa “espécie de um flash de intensidade” sobre o que se sente nesse processo, com sentimentos contraditórios que podem ir da tristeza profunda ao riso.

“Juntas, é mais possível esta superação e continuar a viver aceitando essa perda de uma maneira mais digna, mais lúcida, mais humana”, referiu.

O elenco integra atrizes com variadas idades, que vão “desde a Madalena Almeida, que tem 22 anos, a Paula Só, que tem quase 70”, porque interessava perceber as maneiras diferentes como lidam com o luto.

O espetáculo conta com a participação de um coro de voz falada constituído por pessoas de Viseu e que, segundo a encenadora, também contribuíram para a criação de conteúdo.

Sara de Castro referiu que, atualmente, “quando alguém morre, imediatamente liga-se para uma agência funerária”, sendo tudo “muito distante e higienizado”.

“O coro vem convocar esta voz mais ancestral. Liga-nos aos ciclos mais naturais da vida e a esse primeiro passo importantíssimo para o luto que é o contacto físico com a pessoa que morreu e que nos tem sido retirado. E isso dificulta muitíssimo a compreensão da morte”, considerou.

“Madalena” é uma coprodução do Teatro Viriato, do Centro de Arte de Ovar e do Teatro Nacional D. Maria II.