O meu silêncio é salomónico: é dividido pelo choque e pela inércia. Esta maldita doença asfixiou mais que os pulmões, agudizou a claustrofobia do EU. Sim, porque ela já existia. Reflitamos: a sociedade do novo século é prisioneira da falsa liberdade, está em todo o lugar sem estar em lugar algum, caminha pelo mundo com os pés parados. Ora, quem será mais livre? Aquele que aprecia a beleza do jardim minúsculo ou aquele que contempla capitais num quadrado inacessível? Muitas da vozes exauridas de parede e muitos dos olhares voltados para as saudosas ruas pertencem àqueles que dão gostos mas não têm gostos, veem séries e não são sérios e trocam lives por livros. Nem sempre a modernidade é o elogio ao presente, mas a ofensa ao passado. Há quanto tempo vivemos num quadradinho mais pequeno que a nossa casa? Esperemos que a ausência da rua nos devolva a rua (ou pelo menos a vontade dela).
Feita esta reflexão, apraz-me dizer que as próprias tragédias têm a decência moral de oferecer ao mundo algo de bom. O inimigo invisível (que é e não é), morcego inocente das florestas orientais, não devolverá as pessoas que levou, mas jamais conseguirá infectar o patriotismo, a solidariedade, os árduos sacrifícios, o sentido comunitário e a luta pela vida. Portugal aplaudiu o suor, as lágrimas, as olheiras e as feridas heroicas dos nossos profissionais de saúde. A vós, de sonos adiados, de filhos sem aconchego, de dores alheias no espírito, de Portugal sôfrego nas mãos, o meu (nosso) obrigado. A calamidade não aplaudiu mas gerou aplausos de gratidão dispersa, mas unida. Chorem por um pouco a morte que mil braços não impediria, mas alegrem-se na honra majestosa das vossas batas médicas. Oh, soldados da cura, Viriato e Nuno Álvares Pereira orgulhar-se-iam dessa resistência que se esconde mas que se revela no brasão português!
Envio a todas as famílias enlutadas, de véus sobre a fronte e lágrimas de incompreensão, as minhas sinceras orações.
Francisco Paixão