Disse certa vez José Cid: “o som da guitarra é a alma de um povo.” As cordas da guitarra portuguesa, afagadas pelos dedos viajantes, enclausuram-nos numa nostalgia com mosaicos lusos. Muito própria, muito nossa. Quando soa esta guitarra, pérola modesta no fio renascentista, Portugal fala e nós escutamos. Mike Martins partilha connosco a sua carreira, a relação com o fado, os sonhos e as mensagens. O palco frágil a preto e branco é, desta feita, dele.
Mike, é com enorme gosto que converso contigo para a nossa rubrica, o Escriba. Já falei com algumas fadistas da nossa cidade, como a Mara Pedro, mas é a primeira vez que dou espaço a um guitarrista deste grande símbolo da nação. Diz-me, como surgiu em ti este fervor pelas cordas?
O interesse pelas cordas surgiu desde novo, quando tinha 6 anos. Comecei por tocar guitarra clássica e desde ai o amor pela música só aumentou! Aos 10 optei por me inscrever no Conservatório de Viseu e, perante as propostas que tinha, decidi escolher a Guitarra Portuguesa que me acompanha desde esse dia.
Tiveste alguma referência nesse inicio de percurso?
Quando escolhi a guitarra portuguesa, foi apenas por pensar que já sabia tocar guitarra clássica e optei por uma novidade, mas as referências apenas começaram a surgir 2 a 3 anos depois de começar a tocar!
Como quem?
Carlos e Artur Paredes, Pedro Caldeira Cabral, reportório de Coimbra, e mais tarde José Nunes, Armandinho e José Manuel Neto, com reportório de Lisboa.
Que características distinguem a guitarra portuguesa das demais?
O seu timbre é único, consegue transmitir os nossos sentimentos. Podemos relacionar com os descobrimentos uma vez que tem a forma de uma lágrima, que pode significar as lágrimas de quem viu os seus entes queridos partir, o seu material é de madeira que por sinal foi utilizada para construir naus e caravelas. É o único instrumento que carrega o sentimento de um povo e tem o nome de um país.
Quanto tocas guitarra, tocas Portugal ou tocas a tua própria alma?
Toco a minha alma, que por sinal tem o sentimento do nosso povo! Logo tento levar para todo o mundo a nossa cultura filtrada pela minha alma.
És apenas intérprete ou compões?
Apenas intérprete.
Nunca pensaste em compor?
Sim, a cada dia que passa sinto que vou ganhando recursos e à medida que o tempo passa, tudo surge na minha mente, as melodias, harmonias…
Interessante, interessante. Falando de concertos, já actuaste fora de Portugal?
Sim, já tive a oportunidade de atuar fora de Portugal.
Falando das nossas cidades, qual foi a que mais te surpreendeu a sentir o fado? (excluindo Coimbra e Lisboa)
Viseu.
O que destacarias das gentes de Viseu na tua relação com o fado?
É mais o facto de ser a cidade que me acolheu e acolhe todas as semanas, e onde passei a maior parte do tempo a aprender o que sei hoje, e continuo ainda a aprender!
Se pudesses escolher um(a) fadista com quem partilhar palco, quem seria?
Da nossa época, Ricardo Ribeiro, Camané e Carminho; do passado trabalharia com Fernando Maurício e Amália Rodrigues.
Que sonhos movem a tua carreira?
Poder tocar nas maiores salas de concertos , com as minhas referências e ídolos ou a solo, acho que é o sonho de qualquer praticante desta arte!
Francisco Paixão