Na prática, pretende-se que as Assembleias Municipais decidam já se aceitam ou não a descentralização, sem que tenham conhecimento dos valores a serem transferidos para o efeito. Basicamente será decidir “às escuras”. O Bloco de Esquerda defende o princípio da subsidiariedade, ao abrigo do qual as competências estão alocadas ao órgão mais competente para as executar. A este princípio está subjacente a democraticidade e, como tal, que o órgão seja eleito por sufrágio universal e com escrutínio pelas populações. No entanto, consideramos que esta descentralização, tal como se encontra configurada nos diversos diplomas legais já publicados, viola o próprio princípio constitucional da subsidiariedade agravando as assimetrias regionais, uma vez que a municipalização de competências nestas matérias, que é o que aqui realmente está em causa, não pode comprometer a universalidade e igualdade no acesso das diversas populações aos serviços prestados nas diversas áreas a transferir, procurando evitar que tal acesso seja posto em causa face a uma diferenciação resultante de diversas opções locais no exercício de tais competências. Este processo todo vai promover uma total desresponsabilização do Estado em funções sociais de âmbito universal.
Outro problema da descentralização prende-se com a falta de meios técnicos e de recursos humanos para o efeito. Aceitando-se estas competências, as Câmaras têm de assumir as responsabilidades e execução dos diversos diplomas sectoriais quando, na maior parte dos municípios atualmente não existem recursos humanos para que tal seja possível, nem possibilidade ou orçamento para assegurar a contratação dos mesmos, existindo um subfinanciamento crónico da Administração Central para as autarquias. É ainda expectável que venham a existir conflitos de competências, nomeadamente, no domínio da gestão de pessoal auxiliar, no caso de estabelecimentos de educação e de saúde ou na gestão e manutenção dos equipamentos que sejam transferidos para a esfera de competências dos municípios. Acresce ainda a possibilidade de as autarquias se justificarem com meios humanos insuficientes e recursos técnicos para assegurar estas novas competências e concessionarem estes serviços a entidades privadas ou empresas municipalizadas que, por falta de fiscalização, poderão promover a degradação do serviço prestado e o seu acesso e fruição pelo comum cidadão. Assim, a municipalização destas competências do Estado poderá dar origem ao agenciamento da contratação e pagamento de pessoal, serviços e empreitadas, transformando os municípios em repartições administrativas de políticas nacionais.
Com a publicação da Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto e dos diversos diplomas sectoriais é possível verificar que o que está em causa não é uma verdadeira descentralização de competências, mas sim uma municipalização das diversas áreas envolvidas onerando os municípios que não têm meios humanos ou recursos técnicos para tal. Tal como se tem verificado, o processo está a ser feito ao contrário, isto é, transferem-se primeiro as competências e depois logo se vê o resultado ou se adequa melhor o orçamento, o que é absolutamente inaceitável.
Por isso, não aceitamos que estas estruturas sejam objeto de descentralização de competências, por não se tratar de uma verdadeira descentralização, que carece de legitimidade democrática resultante da eleição direta. É necessário assegurar, em todo o território, a igualdade de acesso e de qualidade relativamente aos vários serviços, bem como da preservação da autonomia dos mesmos.
As comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas põem em causa aquela que deveria ser a maior de todas as reformas: a regionalização. Sem democracia, não pode haver descentralização de competências.