A 'estrela' esteve mais apagada, mas Antunes superou outro desafio que traçou

O sangue frio de Amaro Antunes colocou-o hoje na galeria dos bicampeões da Volta a Portugal, com o algarvio a sobreviver a todas as adversidades para vestir a amarela final numa edição em que ‘brilhou’ com menor intensidade.

Um ano depois de consumar o seu destino, ao sagrar-se campeão da edição especial da prova rainha do calendário nacional, o algarvio, que nasceu para ser uma estrela, propôs-se um novo desafio: o de defender com sucesso o seu título, uma missão à qual se agarrou com unhas e dentes, mesmo quando tudo parecia correr mal à W52-FC Porto e ao próprio – até o pé lhe saltou a 500 metros da meta na Senhora da Graça, impedindo-o de seguir Mauricio Moreira, aquele que foi sempre o seu maior adversário.

Nesta Volta, Antunes, sempre desenvolto nas entrevistas, pareceu mais apagado, às vezes combalido, talvez acusando o desgaste de uma edição em que não conseguiu impor a sua lei tão facilmente como noutros anos e em que só o seu invejável sangue frio e a capacidade para respirar fundo nos momentos de tensão evitou uma cisão nos ‘dragões’.

Sempre politicamente correto e ponderado fora da bicicleta – nunca abdica do tom baixo e sereno de voz mesmo quando as perguntas o incomodam -, afastou polémicas com Joni Brandão, disse entender as críticas à sua equipa, que habituou os adeptos a ganhar, e garantiu confiar na estratégia (confusa a olhos exteriores) delineada por Nuno Ribeiro para levá-lo à vitória.

Hoje, a sua ‘fé’ inabalável na W52-FC Porto valeu-lhe uma nova página de sucesso numa carreira construída com determinação e ambição, por um ciclista de ataque e sempre insatisfeito com o papel de ator secundário nas diferentes equipas por onde foi passando.

Profissional desde 2011, patamar a que chegou depois de brilhar desde júnior – foi campeão nacional de fundo e de contrarrelógio em 2008, ano em que ‘limpou’ quase todas as provas em que participou -, aventurou-se pela primeira vez lá fora na Ceramica Flamínia-Fondriest, a equipa italiana que era um ‘viveiro’ de talentos, mas que foi um sonho frustrado para os portugueses que por lá passaram, abandonados à sua sorte pelos seus patrões.

Individualista q.b., nem sempre consensual, o algarvio regressou a Portugal e nunca escondeu que queria mais, primeiro no Banco Bic-Carmin (2014), depois na LA Aluminios-Antarte (2015 e 2016) e, posteriormente, na W52-FC Porto, equipas onde se destacou, sem nunca ser verdadeiramente o único chefe de fila, e somou lugares no ‘top-10’ da Volta a Portugal.

Foi essa ambição que o levou a dar o salto para o estrangeiro, para a CCC, em 2018, depois de triunfar no alto do Malhão e ser quinto na Volta ao Algarve ganha por Primoz Roglic, de vencer o Troféu Joaquim Agostinho, ocupar o segundo lugar do pódio na Volta de 2017 e de ‘esmagar’ a concorrência, juntamente com o vencedor Raúl Alarcón – pode vir até a herdar este triunfo, quando a Federação Portuguesa de Ciclismo homologar a nova classificação, resultante da desclassificação por doping do seu antigo companheiro, e igualar Joaquim Agostinho e Alves Barbosa no número de vitórias na prova.

Na equipa polaca, deu nas vistas, com lugares de relevo e a vitória na Volta a Malopolska, contudo, foi no ano seguinte, quando a CCC ascendeu ao WorldTour, que o trepador português mais se destacou: esteve durante seis dias no ‘top-10’ do Giro, onde foi mesmo terceiro na 19.ª etapa, antes de ser relegado dos planos dos seus diretores para os grandes palcos.

“Passei uma bonita experiência, por opção também regressei, porque, muita das vezes, é mais importante a nossa motivação e bem-estar e acho que aqui encontro isso. Também me dá mais oportunidade para estar junto da família, que era coisa que não tinha. Tenho 30 anos. Não me posso considerar um velho, mas também para novo não caminho, e é o momento de desfrutar”, disse o ciclista, que é pai de uma menina, à Lusa antes do arranque da 82.ª edição.

De regresso a casa e a uma equipa com a qual se identifica – e pela qual veste a pele de trabalhador sempre que necessário, como aconteceu na Volta ao Algarve deste ano, ganha pelo seu colega algarvio João Rodrigues -, Antunes encontrou o rumo para a primeira vitória na Volta a Portugal, palco maior da expressão das suas qualidades de ‘natural born star’, que o levaram mesmo a um périplo pelas televisões após a sua conquista.

“Dá-se muito bem com os microfones, tem um à-vontade muito grande quando lhe metem um microfone à frente da boca, fala com naturalidade e fala bastante bem. Isso é um dom que ele tem. Não se acanha, não se intimida, tem sempre um discurso bom e fluído. Ele dá um bom político”, dizia no ano passado Samuel Caldeira, como que antecipando o futuro: o seu bom amigo é agora candidato à Junta de Freguesia de Vila Nova de Cacela, nas eleições autárquicas de 26 de setembro.

“Sou uma pessoa que gosta de desafios, e a política é um pouco o sair da minha zona de conforto, é algo que me está a motivar muito, de verdade”, confessou à Lusa durante a edição que hoje terminou.

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